quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Desencanto com a politica

Acontece aos povos, como acontece às pessoas, essa espécie de depressão colectiva, a falta de futuro, uma caminhada sem rumo, a coesão minada pela perda de identidade, a ausência de um sentimento unificador. É o "Portugal a entristecer" de que nos falou Pessoa, o desencantamento da política no seu verdadeiro e etimológico sentido, o desleixo no cuidar da Polis, a Cidade adiada pela ditadura do acessório e do efémero.

Há muito que os sinais de desmoralização colectiva estão presentes no quotidiano português e são antigas as causas que minaram a confiança entre representados e representantes, entre eleitores e eleitos. E não se trata só do mérito e demérito da governação, é definitivamente algo mais sério, um nó cego de sentimentos e incertezas que geram a descrença e essa invasiva lassidão colectiva. Algo que tem a ver com o estado da nossa democracia e com a dimensão moral da representatividade, uma dimensão que os representantes parecem ignorar.

Tem particular oportunidade o documento elaborado pela Sedes, sistematizando os sinais de alarme que apontam para "uma crise social de contornos difíceis de prever..." Algo perigoso num tempo esvaziado de alternativas a regime e lideranças.

O primeiro sinal de subversão veio dos partidos ao tornarem-se fins em vez de meros instrumentos de representação, transformando- -se em coutadas e esgotando grande parte da sua actividade em lutas internas por manter lugares, mordomias e influências. A convivência promíscua com todos os "poderes" emergentes teve o desfecho previsível: primeiro os escândalos ligados ao futebol, depois aos agentes económicos, já não um caso ou outro, uma actuação individual, mas de modo quase institucionalizado, num "toma lá, dá cá" feito com uma tal naturalidade que só é explicável pela interiorização, ao mais alto nível das lideranças, da impunidade como regra. Deterioradas as funções de representação e convocatória dos partidos, questiona-se agora a sua utilidade.

Por outro lado, tornou-se patente a comum incapacidade de pôr o Estado no seu lugar. Desde a versão do país nacionalizado e do Estado superpai até hoje, foram mais de trinta anos de equívocos partilhados, de redes de dependências cada vez mais consolidadas, um deficit conformado de sociedade e cidadania. Sendo que o problema mais grave, hoje, já não é o de o Estado estar onde não deve, mas o de estar mal e sem qualidade onde faz falta.

A sociedade de informação em que nos afundámos, o excesso de vida induzida, os cidadãos transformados em passivos homo videns, o modo como a comunicação condiciona as reacções individuais e colectivas, explica também a situação em que nos encontramos. Por um lado, o desaparecimento dos nexos de causalidade, das causas e dos efeitos, impede que a maioria perceba o que é que realmente acontece, por outro, a ditadura do efémero impede uma justa avaliação dos factos. A Justiça é um bom exemplo deste fenómeno como se viu no processo Casa Pia conduzido, desde o seu início, num tempo e num modo mediático que levou a reboque um Sistema Judicial altamente impreparado para casos daquela magnitude e radicou no cidadão comum a convicção que o modo como a Justiça não funciona, destrói os seus próprios pressupostos.

Uma cultura banalizadora criou um clima propício à relativização moral, admitindo-se que nada pode ser, objectivamente, mau ou bom, quer na esfera do público quer do privado.

É tudo isto que, provavelmente, explica o que aconteceu no BCP; ou a facilidade com que se convence uma população a exigir um bloco de partos mesmo quando tudo indica que é melhor não o ter; ou que um ministro, face ao crescente risco de pobreza das crianças, responda que já aumentou os subsídios; ou que os visados nos mais recentes escândalos políticos se comportem como se nunca tivessem exercido cargos públicos; ou que a avaliação dos professores possa constituir o tema mais relevante do debate político nacional; ou que o segredo de justiça funcione como uma agência noticiosa. Em suma, explicar o inexplicável.
Fonte- DN 28/2/2008